Atualidades de Saúde





Prevenção, eficiência e partilha de dados: doentes exigem compromisso político para garantir acesso adequado à medicina de precisão
Tema esteve em discussão na terceira edição das Innovation Talks, em Lisboa
É preciso ter uma estratégia para o acesso à medicina de precisão em Portugal para que quem sofre de doença oncológica, rara ou crónica possa ter um diagnóstico atempado e aceder ao tratamento mais indicado face às suas necessidades. Estas foram as principais conclusões da terceira edição das Innovation Talks, uma iniciativa da Plataforma Saúde em Diálogo e da AstraZeneca, que decorreu no passado dia 27 de junho na Ordem dos Farmacêuticos, em Lisboa, para discutir os desafios e oportunidades da medicina de precisão.
“A medicina de precisão representa uma verdadeira mudança de paradigma na forma como olhamos para o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento das pessoas. Não falamos apenas de doentes, falamos de indivíduos, com características, histórias e necessidades únicas”, considerou Jaime Melancia, presidente da direção da Plataforma Saúde em Diálogo.
Também Rosário Trindade, diretora de Corporate Affairs & Market Access da AstraZeneca, corroborou que “tudo tem de ser feito com os doentes, para eles e a partir das suas necessidades”, instando a um “compromisso das associações de doentes” para que continuem a lutar por melhor acesso.
Já Hélder Mota-Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, recordou os custos elevados das novas terapêuticas, sublinhando que “é fundamental manter a sustentabilidade do sistema, ao mesmo tempo que se garante o acesso a novos medicamentos”.
Fátima Cardoso, presidente da Advanced Breast Cancer Global Alliance, foi a oradora principal do evento, abordando a importância dos biomarcadores na individualização do tratamento, dando como exemplo o caso do cancro da mama., apesar de considerar que ainda estamos longe do conceito de medicina personalizada, sendo mais correto falar de medicina precisão.
Explicou que, após a descodificação do genoma humano, foram possíveis novas descobertas que devem ser tornadas viáveis e acessíveis, como o teste de diagnóstico Mammaprint, que permitiu, no âmbito do estudo, poupar à quimioterapia, 46% das doentes com alto risco de recidiva.
“Quanto mais personalizados forem os tratamentos, mais importante é o diagnóstico e a avaliação dos biomarcadores”, sustentou a especialista, notando que em Portugal existem vários erros nos resultados da diagnóstico baseado na anatomia patológica, tornando difícil a escolha do melhor tratamento.
Por outro lado, apontou problemas de equidade e reforçou a necessidade de partilha de dados dos doentes para que as equipas possam ter acesso aos registos completos independentemente da unidade de saúde a que o doente se desloca.
Na mesa-redonda, Elsa Mateus, presidente da EUPATI Portugal (European Patients’ Academy on Therapeutic Innovation) e da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas, reforçou que a partilha de dados é essencial para investigar e melhorar a prestação de cuidados, referindo que plataformas como o Reuma.pt, que funciona como o Registo Nacional de Doentes Reumáticos, são exemplo disso. Contudo, alertou para obstáculos como a não adesão à terapêutica devido a receios e falta de informação, defendendo campanhas de sensibilização, uma abordagem multidisciplinar e mais literacia do doente para uma participação ativa nas decisões.
Maria Luís Cardoso, especialista em Genética Humana e Medicina Personalizada do INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge), abordou o trabalho de construção da Estratégia Nacional para a Medicina Genómica, que contou com o contributo de mais de 100 entidades, e que se encontra agora em análise no Ministério da Saúde.
Rui Medeiros, investigador do IPO-Porto e board member da European Cancer Organisation, sublinhou que “é preciso haver decisão política e maior sensibilização de decisores sobre o impacto positivo de investir em prevenção e diagnóstico precoce”. Para o investigador, “Portugal tem sido exemplo em políticas de rastreio e prevenção, mas existem desigualdades na distribuição dos recursos”, sendo essencial partilhar dados para melhorar os resultados.
Tamara Milagre, presidente da Associação EVITA, alertou para a “falta de literacia genética, inclusive entre profissionais de saúde”, destacando que o médico de família tem um papel essencial na identificação de casos de cancro hereditário. Defendeu o aproveitamento de soluções já existentes, como o questionário da plataforma EVITA para que as pessoas possam saber se devem ou não fazer o teste que identifica a mutação de genes que aumentam o risco de cancro de mama.
Já Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), realçou que apesar de haver casos de sucesso, como no IPO do Porto, o SNS continua atrasado face a outros países, defendendo a implementação de uma estratégia nacional que permita pedir testes genéticos para todos os que têm indicação para o fazer, alertando para desigualdades entre hospitais e a necessidade de reforço de financiamento.
No final da sessão, Maria da Conceição Gomes, da direção da Plataforma Saúde em Diálogo, pediu uma “abordagem colaborativa e multidisciplinar que envolva decisores políticos, investigadores, médicos, gestores hospitalares e representantes das associações de doentes, para garantir que a medicina de precisão chegue efetivamente a quem dela mais precisa, de forma justa e equitativa”.
As Innovation Talks voltaram, assim, a colocar no centro do debate as necessidades dos doentes, reforçando que o futuro passa não só por investimento em inovação tecnológica, mas igualmente importante em prevenção, melhor equidade de acesso, partilha de dados, investimento em literacia e maior envolvimento de todos os intervenientes do sistema de saúde.