Atualidades de Saúde

Avanços na Doença Renal Crónica

Uma só alteração no sistema informático do SNS pode acelerar diagnóstico e adiar diálise

Grupo de 17 peritos em Nefrologia, Medicina Geral e Familiar e Patologia Clínica entregam às autoridades de saúde três recomendações: uma delas é a criação de dois códigos informáticos que permitem rastreios mais céleres e eficientes

Lisboa, 14 de março de 2025 – Basta disponibilizar dois novos códigos informáticos aos médicos de família para acelerar o processo de diagnóstico da Doença Renal Crónica (DRC) em Portugal e, possivelmente, protelar o período sem recorrer à diálise, um tratamento realizado por cerca de 20.000 doentes no país. Esta é uma de três recomendações já apresentadas às autoridades de saúde(1) pelo programa NEPHRODetect, uma iniciativa de um grupo de 17 especialistas em DRC, patologia que afeta 9,8 por cento da população adulta em Portugal.

Os novos códigos têm como objetivo facilitar e uniformizar a prescrição e emissão de resultados dos exames a dois parâmetros fundamentais para um diagnóstico mais preciso da DRC: a Taxa de Filtração Glomerular estimada (TFGe) e a albuminúria (RAC). O atual sistema informático nos cuidados de saúde primários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) não dispõe destes dois códigos específicos nas fórmulas recomendadas pelas orientações internacionais. Com a alteração proposta, o médico de Medicina Geral e Familiar passaria a ter à disposição estes códigos de requisição, permitindo também o Registo de Saúde Eletrónico (RSE) de forma linear e padronizada.

“A TFGe e a RAC, isoladas ou em conjunto, são essenciais ao diagnóstico da Doença Renal Crónica. Um estudo em Portugal concluiu que a RAC não foi avaliada em mais de metade dos doentes com DRC, desconhecendo-se o risco real para a progressão da doença e comorbilidades associadas e privando, assim, os doentes não diagnosticados de medidas dirigidas no sentido de melhorar o seu prognóstico”, explica Edgar Almeida, ex-diretor do Serviço de Nefrologia do Hospital Beatriz Ângelo e presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, uma das sociedades científicas envolvidas no programa.

Além dos códigos de prescrição, os peritos recomendam a codificação da DRC no contexto da Classificação Internacional de Cuidados Primários (ICPC2) e a atualização das normas da Direção-Geral da Saúde. “Hoje não conseguimos saber com exatidão o número de pessoas que sofrem de DRC, porque não está identificada no sistema informático da saúde com um código próprio, à semelhança do que acontece com outras doenças como a diabetes ou a hipertensão. A nossa recomendação é que se atribua à DRC um código único, pois só assim conheceremos a real dimensão do problema e conseguiremos planear e executar a melhor estratégia para resolvê-lo”, acrescenta Edgar Almeida. Estas recomendações estão em linha com o Despacho n.º 12635/2023 da Comissão de Implementação e Monitorização da Estratégia Nacional para a Doença Renal Crónica (CIMEN-DRC).

Concretizados estes dois passos – código de prescrição e código de doença –, os especialistas consideram imperativo que a Direção-Geral da Saúde atualize as normas de boas práticas para a DRC. “Estas orientações, juntamente com uma maior sensibilização para o assunto entre a comunidade médica, permitirão que as medições da TFGe e da albuminúria sejam realizadas de forma consistente, independentemente da especialidade médica do médico assistente, do laboratório ou da localização geográfica. Atualmente existem medicamentos modificadores de prognóstico que, em fases precoces da doença, podem retardar significativamente a progressão para diálise e reduzir a mortalidade nestes doentes”, sublinha.

O NEPHRODetect integra três especialistas em Nefrologia, quatro em Medicina Geral e Familiar e dez em Patologia Clínica e representantes de laboratórios nacionais de análises clínicas. Foi criado para analisar as mais recentes orientações internacionais sobre a DRC, com o objetivo de criar um documento de consenso com recomendações de uniformização do diagnóstico e de reportagem em Portugal. Este documento foi já partilhado com as autoridades oficiais responsáveis e publicado na forma de artigo científico na revista Acta Médica Portuguesa de fevereiro de 2025, https://doi.org/10.20344/amp.22557.

“Na origem deste trabalho estão dois pontos: as dificuldades de os médicos de família pedirem exames com o detalhe necessário e os relatórios dos laboratórios não serem uniformes. A solução foi juntar todos os intervenientes para definir critérios fáceis de aplicar, que melhoram todo o processo de diagnóstico da Doença Renal Crónica, com benefícios tangíveis para os doentes”, conclui Edgar Almeida.

Estima-se que a DRC afete 9,8% da população adulta em Portugal, com um impacto substancial na qualidade de vida dos doentes. A fraca consciencialização da sociedade resulta numa elevada taxa de subdiagnóstico, particularmente, nos grupos de alto risco. Mais de 98% dos doentes não sabem que têm a doença. Portugal apresenta o pior cenário de entre os países da União Europeia a 28 (dados recolhidos a 31 de dezembro de 2021), com cerca de 20 mil doentes em diálise, a fase terminal da DRC.

(1) Ministério da Saúde, Direção-Geral da Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, Direção Executiva do SNS, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Comissão Parlamentar da Saúde, Comissão de Implementação e Monitorização da Estratégia Nacional para a Doença Renal Crónica, Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros e Ordem dos Farmacêuticos.

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